Todos os anos, há mais de cinco décadas, Brasília sedia um dos mais belos espetáculos ao ar livre do País. Durante algumas semanas, geralmente entre junho e setembro, flores roxas, brancas, rosas e amarelas colorem as ruas da capital federal. Nesse período, o cenário cinza e marrom de terra batida empresta lugar a uma beleza genuinamente brasileira. E como num gesto simples de solidariedade, o ipê ameniza a batalha da seca e nos faz ter uma grande certeza: a vida não cessa, em momento nenhum

Esse fenômeno natural, em contraponto aos tempos de consumismo e relações desumanizadas, não cobra entrada para ser visto, não requer grandiosas estruturas para ser apreciado e tampouco depende de autorização para acontecer. Ele só precisa de respeito e cuidado. Por isso mesmo, é frustrante quando percebemos a falta de atenção dispensada aos nossos cartões postais e atrativos turísticos. A época de florescimento do ipê deveria, no mínimo, se transformar num evento de todos os brasilienses.

Ao contrário daqui, no Japão o florescimento das cerejeiras é um acontecimento anual aguardado por milhares de pessoas. O início da floração é considerado uma questão de Estado, com previsões rigorosas emitidas pela agência de meteorologia para que os cidadãos possam acompanhar onde e quando as flores desabrocharão. O surgimento das primeiras pétalas inspira as festas chamadas de hanami, quando japoneses e turistas buscam um lugar nos parques para comer, celebrar a vida e apreciar a paisagem.

Não se trata apenas de contemplação. Os festivais movimentam fortemente a economia e o turismo desse gigante asiático. Uma das festas iniciais chega a ser realizada pelo primeiro-ministro para mais de 10 mil convidados. No Distrito Federal, sequer o governo divulga os pontos onde as flores dos ipês podem ser admiradas. Imagine como seria positivo se um grande encontro de gastronomia, cultura e sustentabilidade fosse organizado sob as árvores em flores, com geração de emprego e renda.

Em sentido oposto a isso, em junho os nossos visitantes deram com a cara na porta ao procurarem os museus de Brasília. Memorial dos Povos Indígenas, Museu Vivo da Memória Candanga, Catetinho e Biblioteca Nacional foram todos fechados por sujeira. No final de maio, o GDF trocou a empresa que prestava a limpeza nos museus e contratou uma nova, sem licitação. Resultado: brigas na Justiça e a falta de uma solução fecharam a nossa história para os turistas.

Que belo cartão de visitas, não é mesmo? Não exploramos nosso potencial e não conseguimos cuidar daquilo que temos. Faltam visionários como Juscelino Kubitschek e Burle Marx, que promoveram o plantio de diversos tipos de árvores. Nessas horas, fica o ensinamento da natureza: mesmo quando o ar está cinza e a poeira vermelha irrita os pulmões, ainda temos a esperança de que as flores irão encher nossos olhos e lavar nossa alma.

Publicado originalmente no Jornal de Brasília – 18/6/2012

 

Brasília, 18 de Junho de 2012

 

Adelmir Santana Presidente do Sistema Fecomercio-DF

 

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